sábado, 18 de abril de 2009

Aquela cidade tinha tantos caminhos, tantas esquinas, que eu acabei me perdendo. Aquele café e aquela música eram tudo que eu poderia esperar da solidão. Acompanhavam-me. A bebida quente escorreu dentro de mim, tornou-se parte do corpo que eu não queria mais. Meus pés estavam gelados e, de repente, eu sorri. Lembrei das casas caiadas da rua em que cresci. Da voz dela, que parecia encher a sala de um ar quente, ofuscando o colorido do papel de parede. Folhas verdes e azuis e flores cor de rosa escuro. Dor de rosa. A minha dor é só minha, não incomoda e não importa a mais ninguém. A dor dos sozinhos.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Budapeste

Chico Buarque lançou um livro novo, Leite Derramado. Não importa se é bom, ou não. O cara é merecidamente famoso e tudo em que ele botar a mão - ou as palavras - vai dar o que falar. É só passar pelo Conjunto Nacional: uma vitrine inteira da Cultura coberta com as duas palavras que servem de título à obra.

Mas todo esse papo (e as críticas positivas e negativas que ouvi a respeito) me fizeram lembrar do único livro que li do Chico: Budapeste, leitura obrigatória do vestibular da Cásper Líbero em 2006. Gostei. Achei intenso. Era estranho, mas intenso. A estranheza talvez se devesse ao fato de ser um brasileiro (autor e personagem) contando uma história em um país do leste europeu. E eu nem tinha lido muita literatura estrangeira até então.

Resolvi procurar meu exemplar, que está quase novo (se alguém quiser emprestado, está mofando no meu armário). Reli partes. E é estranho (de novo) perceber como a nossa memória relaciona cheiros, sentimentos, palavras em uma língua estranha. E curioso pensar que o livro tocou em assuntos que só depois se tornariam caros pra mim, como a escrita e a língua. É sempre bom voltar.

Resolvi colocar aqui o trecho desse livro que mais mexeu comigo. Demorei um pouco para achar, mas valeu a pena:

"À queima-roupa, porém, olhando nos olhos de Kriska, suas mãos a escorregar das minhas, a única palavra que me veio no idioma dela foi adeus. Não entendi, disse Kriska, e repeti: viszontlástara. (...) E de repente deitou a falar uma enxurrada de palavras difíceis, e não sei se me expulsava da sala ou pedia clemência, se me implorava uma bebida quente, se me acusava de tê-la enfeitiçado, roubado algum objeto, talvez um relógio de ouro, relógio? (...) Então renunciei de vez à língua magiar, deixei cair o rosto, os ombros, os braços, e ela se lançou sobre mim, se grudou em mim e me fincou os dedos, como se pretendesse enterrá-los nas minhas costas, porque eu era um homem cruel, ou formidável, ou pavoroso, porque eu estava dissipando os momentos mais preciosos da sua vida. Até pensei que ela quisesse sexo, e rocei a língua atrás da sua orelha. Aí ela me repeliu..."

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Não havia mais volta, não para os dois. Depois daquele instante, em que hesitaram antes de se aproximarem definitivamente. Depois daquele instante, não havia mais volta. Poderiam desistir, fingir que nada havia acontecido. Mas haveria sempre acontecido. Haveria sempre algo mais ali, algo de que compartilhavam: uma memória. Uma memória ilícita.