sexta-feira, 25 de maio de 2007

Vergonha

Estou com vergonha de querer ser jornalista.

Carta para a Rede Record, sobre programa transmitido no dia 22/05/2007:

“A matéria mostrava diversas cenas de dentro da reitoria, como os alunos fazendo cartazes, com a narração do repórter acompanhando cada cena. Dentre várias imagens da ocupação, apareceu uma em que os alunos escorregavam por rampas "alagadas". A narração do repórter foi: "alunos brincam nos corredores". O fato é que aquela imagem não é da reitoria. Aquela rampa, onde os alunos de fato brincavam, está localizada no prédio de História, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. O episódio aconteceu em um dia de chuva, meses atrás, em que as aulas tiveram de ser canceladas, justamente porque as salas alagaram, atestando a estrutura deficiente do prédio.

É um absurdo que aquela cena estivesse ali, em meio a uma reportagem sobre a ocupação da reitoria. É uma prova da falta de responsabilidade e, pior, da falta de ética dos repórteres e editores envolvidos na feitura da matéria. O que resta saber é se aquela cena foi colocada ali por pura negligência, devido a não checagem de informações, ou se ela estava ali intencionalmente, numa tentativa de prejudicar a imagens dos alunos que protestam dentro da reitoria.”

Carta para a Rede Bandeirantes, sobre programa do dia 23/05/2007:

“Eu estava justamente interessada em saber como iam os protestos marcados para acontecer na Paulista. Então veio a chamada, dizendo que o helicóptero do programa estava sobrevoando a região. Os âncoras e o repórter do helicóptero começaram então uma discussão sobre o protesto, que naquele momento reunia professores, funcionários públicos e estudantes contra a emenda 3 e contra a defasagem do ensino público no Estado, entre outras coisas. O que aconteceu foi uma seqüência de palavras impensadas e desrespeitosas, além de mentirosas. Primeiro o âncora José Nello Marques perguntou quantas pistas o protesto estava ocupando. A resposta foi incorreta, porque era visível que os protestantes estavam no vão do Masp e que o carro de som estava na calçada. Era possível ver os ônibus circulando pela faixa reservada a eles, a da direita, justamente a que o repórter do helicóptero afirmou estar ocupada pelo protesto. O âncora respondeu que aquilo era um absurdo, porque a avenida é um corredor de ambulância. Mesmo que estivesse ocupando uma pista (o que não acontecia naquele momento) ainda sobrariam 3 pistas para a passagem de ambulâncias, o que torna a fala do apresentador uma insensatez, mesmo aos ouvidos mais desatentos. A âncora Silvia Vinhas completa: “É o coração da cidade!”. O que ela quis dizer com isso? Que o povo não deve protestar no “coração” da cidade?

(...)

Depois o repórter ainda completou que estava acontecendo no vão do Masp um atendimento gratuito em prevenção ao glaucoma, que teve der interrompido por causa da manifestação. Foi um problema? Sim, é claro. Mas, em vez de discutir, de questionar porque o atendimento foi interrompido, de perguntar se ele seria transferido para outro lugar ou para outro dia (prestando um serviço aos que assistiam), o âncora José Nello preferiu continuar seu impensado ataque aos protestantes: “Parabéns professores, parabéns, olha aí o que vocês fizeram, parabéns”. Essa mesma frase foi repetida diversas vezes, à exaustão. Ele ainda continuou, incentivando os professores a descerem a Rebouças em direção à USP, para que pudessem se juntar aos alunos que ocupam a Reitoria e fazer “baderna juntos”.

(...)

Ser contra a manifestação de professores, funcionários públicos e estudantes é outra, é colocar-se contra a liberdade de expressão, que é justamente o instrumento mais precioso do jornalismo. O jornalismo tem como função informar e fiscalizar o poder. Em vez de condenar os manifestantes, o povo que se levantou para lutar pelos seus direitos, seria mais ético, mais digno, discutir a razão desse levante.

(...)

Não é preciso nem condenar, nem absolver. É preciso discutir.”

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